O coração tem uma espécie de sistema elétrico, que é responsável por ditar o ritmo em que o órgão trabalha para bombear o sangue a todo o organismo. Nos quadros de arritmia cardíaca, porém, essas batidas do coração ficam irregulares demais. Elas podem se tornar muito rápidas ou muito lentas, ou assumir um comportamento absolutamente inconstante.
E esse comportamento errático do órgão faz com que uma quantidade insuficiente de sangue seja distribuída para o corpo — o que gera uma série de problemas, desde tontura e falta de fôlego a desmaios e palpitações.
Os índices de morte súbita no Brasil são extremamente altos, sendo as mais comuns por problemas relacionados ao coração, e mais da metade por ocorrências de arritmias cardíacas, ou inteiramente ligadas a ela, sendo a maior parte delas por falta de informação e por estilos de vida exagerados, principalmente relacionados com a má alimentação e falta de exercícios físicos.
De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC), a doença afeta cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil e é a causa por trás de mais de 320 mil mortes súbitas no ano.
Para entender melhor esta doença, entrevistamos o médico Dr. Diêgo Albernaz, cardiologista e arritmologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Doutor em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Prime - O que é arritmia cardíaca?
Dr. Diêgo - Antes mesmo de definir a arritmia cardíaca, devemos entender o funcionamento correto do nosso coração. Imaginemos o coração como uma orquestra: existe uma estrutura especializada no coração chamado de nó sinusal, este funciona como se fosse um maestro responsável por reger uma orquestra com a melodia correta. Essa estrutura atua como um gerador responsável por iniciar a estimulação elétrica do coração e, a partir daí, o estímulo elétrico é transmitido para outras regiões no músculo cardíaco através de fibras elétricas de modo organizado e sincronizado, como uma sinfonia bem afinada. Se por acaso ocorrer algum distúrbio neste processo, ocorre a arritmia cardíaca. Seria como se fosse uma orquestra desafinada fora do compasso correto. Então, a arritmia cardíaca é a situação em que o coração estaria fora do ritmo.
Prime - Quais os sintomas e como identificá-la?
Dr. Diêgo - O principal sintoma relatado é a palpitação, ou seja, a percepção dos batimentos pelo paciente de modo errôneo. Outros sintomas podem ser: falta de ar, cansaço, tontura, perda do rendimento para atividades físicas, desmaios e alguns casos mais graves até parada cardíaca com morte súbita.
Prime - Existem tipos distintos de arritmias?
Dr. Diêgo - Sim. Existem as arritmias que o coração bate mais acelerado, chamadas de taquicardias, e as que o coração bate devagar, estas são as bradicardias. A faixa esperada normal dos batimentos cardíacos é de 50 a 100 bpm, porém não necessariamente valores fora desta faixa são considerados arritmia. Outra distinção importante feita pelos cardiologistas é se as arritmias são originadas mais na parte de cima do coração, as supraventriculares, ou se são mais abaixo, nos ventrículos. A importância de se realizar esta diferenciação é porque estes dois tipos possuem tratamentos distintos, e as arritmias ventriculares tendem a ser mais graves.
Prime - Quais são os fatores de riscos?
Dr. Diêgo - Assim como outras doenças do coração as arritmias cardíacas compartilham alguns fatores de riscos como pressão alta, diabetes, sedentarismo, obesidade e uso de cigarros, este último incluem os cigarros eletrônicos (vapes). Outros fatores relacionados seriam a apneia do sono, uso de energéticos, termogênicos (estimulantes muito usados em academias) e alguns medicamentos como antidepressivos, antibióticos, anticonvulsivantes entre outros. Pacientes que possuem doenças cardíacas possuem maior risco de ter arritmias, como doenças nas valvas cardíacas, histórico de infarto ou insuficiência cardíaca. Uma doença ainda presente em nossa região, a doença de Chagas (doença do barbeiro), é responsável por alterações graves no ritmo cardíaco com alto risco para arritmias graves. Desordens endócrinas, pulmonares, gástricas, neurológicas e renais também podem propiciar o aparecimento das arritmias. Então como podemos ver a arritmia cardíaca é uma desordem cardíaca de origem multifatorial, o que muitas vezes deixa o seu diagnóstico e o seu tratamento com uma complexidade maior.
Prime - Como é feito o diagnóstico?
Dr. Diêgo - O diagnóstico é realizado através de uma história clínica bem feita associado ao exame físico completo, podendo ainda lançar mão de alguns exames complementares. Dentre eles, destacam-se o eletrocardiograma (exame fácil, barato e acessível, fornecendo diversas informações para ajudar no diagnóstico), o Holter (aparelho que o paciente leva para a casa para registrar os batimentos durante 24 horas), o teste ergométrico (exame da esteira que ajuda a identificar se a arritmia ocorre durante o esforço físico), o ecocardiograma (este já com o intuito de identificar alguma alteração na estrutura do coração que pode propiciar o aparecimento das arritmias) e alguns casos selecionados podemos dispor do estudo eletrofisiológico (exame mais invasivo realizado em salas de hemodinâmica que identifica com precisão o distúrbio elétrico causador da arritmia). Uma dica que sempre dou para o paciente no dia a dia do consultório é que caso apresente sintomas de arritmia, se possível tente realizar um eletrocardiograma em um pronto atendimento no momento destes sintomas, pois este exame será de grande valia para o diagnóstico correto e tratamento da arritmia.
Prime - O que a arritmia cardíaca pode causar?
Dr. Diêgo - Pode ser responsável por diversas complicações. A mais temida é a morte súbita, pois algumas vezes esta pode ser a primeira manifestação de uma arritmia. Pode estar relacionada também com aparecimento de insuficiência cardíaca (conhecida como taquicardiomiopatia), ser um fator causal de um AVC (acidente vascular encefálico), estar relacionada com a piora da qualidade de vida, com descompensações de outras doenças e com progressão acelerada da demência.
Prime - Como prevenir a arritmia?
Dr. Diêgo - Em resumo para uma prevenção adequada é importante ter uma vida saudável, ou seja, cuidar dos fatores de riscos como hipertensão, diabetes, colesterol e obesidade. Fugir do sedentarismo realizando atividades físicas regulares, evitar o álcool, cigarro, energéticos (incluindo o excesso da cafeína) e medicamentos sem prescrição médica (antidepressivos, antialérgicos, antibióticos entre outros) pois os mesmos podem estimular e acelerar o coração. Controle do estresse emocional e uma saúde adequada do sono também ajudam na prevenção das arritmias.
Prime - Quando procurar ajuda médica?
Dr. Diêgo - Em se tratando de suspeita de arritmias um cardiologista, de preferência um arritmologista, sempre deve ser procurado. A fim de fazer o diagnóstico desta corretamente e principalmente definir o risco desta para complicações.
Prime - Como é feito o tratamento?
Dr. Diêgo - O tratamento da arritmia é feito com medicamentos e em alguns casos podemos realizar um procedimento chamado de ablação, que seria uma técnica invasiva, o qual é realizado através de cateteres dentro do coração uma estimulação elétrica para o tratamento das arritmias. Mas além de focar apenas nas arritmias devemos lembrar dos fatores que podem facilitar o aparecimento destas, pois muitas vezes as arritmias podem ser apenas uma manifestação de uma desordem no organismo. Por exemplo não é incomum um paciente apresentar arritmias durante um quadro de uma infecção aguda, de uma anemia ou mesmo uma descompensação da glândula tireoide.
Prime - Existe algum mito?
Dr. Diêgo - Destacaria dois mitos em relação a arritmia cardíaca: O primeiro: “se quem tem arritmia não pode praticar atividade físicas”. Isto não é correto, inclusive um dos pilares do tratamento de arritmias é a prática de atividades físicas, porém antes de iniciá-las o paciente deve procurar um cardiologista para definir o risco desta arritmia e indicar o tipo de atividade física mais segura para seu caso. Um segundo: “se não tem sintomas não precisa se preocupar”. Também incorreto, pois algumas arritmias os pacientes podem ser totalmente assintomáticos, e mesmo assim podem apresentar complicações muito sérias. Por isso é importante realizar exames regulares para monitorar a saúde cardíaca com um especialista.